"Stanley era o grande mestre do cinema. Ele nunca copiou ninguém, ao passo que todos nós lutávamos por imitá-lo"
Steven Spielberg.
Seria A Laranja Mecânica uma futurista apologia à violência ou uma crítica paralelista? O clássico tem várias interpretações, é perturbador, denso e violento, ao passo que é fascinante, divertido e musical. Outra obra-prima de Stanley Kubrick a ser dissecada a cada detalhe.
- Vamos lá! Acabem comigo covardes desgraçados! Eu não quero viver mesmo! Não neste mundo fedorento!
- O que há de tão fedorento nele?
- É fedorento por que a lei e a ordem não existem mais. É fedorento por que deixa que os jovens batam nos velhos, como vocês estão fazendo. Não é um mundo onde um velho possa viver!
Baseado no livro homônimo de Anthony Burguess, de 1962, A Laranja Mecânica é constantemente relacionada à 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Todos são uma espécie de distopia pós-revolução industrial. Criticando o novo modo de vida da sociedade: automático, anti-social, acomodado e mecanizado.
Como um ciclo sem fim, a vida imita a arte, que imita a vida imitando a arte. O impacto causado pelo filme à época de seu lançamento foi estrondoso. Muitos entenderam a obra e acharam-na fantástica, outros não e a repudiram, mas a corrente que mais chamou a atenção foi a onda de crimes que sucederam a estréia, gangues de adolescentes que, para se livrar, diziam que só fizeram o que fizeram por influência do filme.
Devido a tais ocorrências, Kubrick retirou a fita de circulação na Inglaterra, onde vivia, até a data de sua morte. Chateado por interpretarem o oposto do que ele quis passar com o filme, esse ato foi mais para a proteção de sua família, pois havia o risco de acontecer com ele o mesmo que aconteceu com o velho escritor na primeira parte do filme, já que ele morava numa afastada casa numa zona rural da Inglaterra.
O filme é dividido em três. A primeira parte mostra Alex (Malcolm Mcdowell), o protagonista e líder de uma gangue de adolescentes, vivendo sua vida e praticando um pouco de sua adorada ulta-violência, tomando o leite "batizado" no Korova Bar. Os estilos de gangues uniformizadas de maneira simples e esdrúxula, lembra o vindouro filme The Warriors - Os Selvagens da Noite, que se passa em um "futuro próximo" onde gangues dominariam as cidades.
Com uma virada na trama, Alex acaba sendo traído pelos companheiros e preso. O segundo ato se passa na “reabilitação” do “nosso sofrido narrador”, o que inclui sua passagem pela prisão e depois o Tratamento Ludovico. Supostamente curado, o terceiro ato conta sobre a reinserção de Alex na sociedade, que o escurraça da mesma maneira que ele fez com ela e, após tentar se matar, “cura-se” e volta a ser o mesmo personagem do começo, só que agora com apoio do estado.
A circularidade das coisas, visivelmente (organização de elementos) e na trama: o Alex do final volta a ser o Alex do começo, assim como suas visitas à lugares e pessoas que ele já encontrara anteriormente na fita. O conflito Homem vs. Máquina, o conformismo, e a violência são temas recorrentes em trabalhos de Stanley Kubrick, e se apresentam em peso nessa obra.
A principal crítica que o filme faz é à moral da sociedade moderna conformista, violenta, libidinosa, corrupta, sem valores e imperativista. Por isso torna-se um erro considerá-lo futurista, pois como o próprio diretor falou, é uma “fábula”. É um paralelo com o modo de vida desse século, os problemas apresentados no filme já existiam à época de seu lançamento. E a prova disso é sua atemporalidade: a decoração e arquiterura dos ambientes, as roupas, os penteados femininos e o linguajar dos adolescentes nunca existiram, mas coexistem com um fusca e uma kombi, que servem de lembrança para as pessoas de que não se trata de uma ficção.
Além disso, o filme é uma crítica à violência, e não uma apologia à ela. Seria Alex tão mau e inescrupuloso se a sociedade na qual ele vive não fosse assim? A doutrina do sistema (governo, mídia e religião) impõe um modo de vida igual à todos. A mídia alienizadora prega uma sociedade conformista, na qual o consumo sempre fica em primeiro plano, acabando com a individualidade mas ao mesmo tempo aumentando o egoísmo e o isolamento de cada um, tornado o indivíduo cego aos problemas à sua volta.
Não seria, então, a ultra-violência uma forma não muito ortodoxa de Alex se destacar dos demais? Afinal, ele era um personagem de inteligência, sarcasmo e gosto cultural refinado, sendo seu músico preferido ninguém menos do que Beethoven. Segundo Kubrick "Alex é daqueles personagens que pela lógica seria incapaz de atrair qualquer tipo de simpatia entre o público que assiste ao filme. No entanto, ao longo do filme, ele consegue nos atrair para ‘o seu lado’ e toda a desconfiança e antipatia que pudéssemos sentir por ele desaparece". Seria então essa simpatia por Alex uma subconsciente aprovação a uma revolta tão podre quanto tudo que se apresenta ao redor dele?
Após ser “curado”, (aos olhos da sociedade, pois ele continuava sentindo as mesmas coisas de antes, só que acomete-se um mostruoso enjôo toda vez em que deseja praticar violência), a própria sociedade não estava curada para ele. Tornando-se vítima da brutalidade desta em que vivia, e dessa vez sem chance de resposta. Ele fora psicologicamente lobotomizado, quase como RP McMurphy, personagem de Jack Nicholson em Um Estranho no Ninho, que seria lançado 4 anos depois e apresenta uma crítica semelhante ao sistema alienizador.
O mais curioso sobre o Tratamento Ludovico, no entanto, é que ele está presente durante todo o filme, sendo aplicado ao telespectador. Afinal, ele não consiste em mostrar imagens de violência extrema combinada à música clássica? Em resposta poderia se dizer que o espectador não está amarrado à uma camisa-de-força e nem impossibilitado de piscar. Mas quem que se propõe a assistir Laranja Mecânica consegue parar antes que o filme acabe? Ele é esteticamente tão bem feito que é impossível não ver.
A decadência da estrutura familiar está escancarada nos imbecis pais de Alex; o Ministro do Interior é a personificação da hipocrisia e podridão dos governantes. Para não ficar desmoralizado perante a opinião pública, faz um acordo com quem ele acabara de condenar, e chega ao ponto de dar-lhe comida na boca; Mr. Deltoid, contratado para “ajustar” Alex, se preocupa com ele só para não sujar seu nome na praça. Representando os interesses do capital, é tão estúpido que bebe água de um copo com uma dentadura dentro; E nem mesmo o inocente e vitimado escritor, opositor ao governo, escapa ao sadismo e decadência (mesmo tendo todos os motivos para tais atitudes), vira um personagem quase que demoníaco. E, para finalizar, a Mulher-gato e o todo o cenário urbano (destaque para o Korova Bar) que denunciam toda a libido da sociedade, que perdeu todos os valores morais, tal qual a sociedade alemã às vesperas da ascensão do nazismo, como retratado em Os Deuses Malditos, de Luchino Visconti.
Assim, Alex pode ser visto tanto como um opositor contra tal sistema, pois sofre agressões de e agride a todos, quanto uma simples consequência de injustiças sociais e da desmoralização da própria organização social do homem. Se tornando, nesse meio, um ser tão bizarro quanto uma laranja mecânica. A laranja, uma fruta cheirosa, bonita que possui um suco nutritivo delicioso, só na aparência, pois dentro é só engrenagens se movendo conforme ordenada, assim como cada indivíduo a que falta identidade.
A Laranja Mecânica é mais uma obra prima de Stanley Kubrick, conhecido por seu perfeccionismo e por trabalhar nas falhas (imperfeiões) humanas. Tecnicamente impecável em qualquer aspecto, sugere diversas discussões sobre a organização social e o homem como indivíduo. Perdido, conformado, rodando como uma engrenagem de um sistema há muito obsoleto.
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Curiosidades: veja na wikipédia.
Fontes de pesquisa:
1. Recanto das Letras
2. Cinema é Minha Praia
3. Fórum Media
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