Protagonizado por Peter Sellers - genial em 3 papéis completamente diferentes: o capitão da força aérea: Mandrake; o presidente dos EUA: Mr. Muffley; e o próprio Dr. Fantástico, um ex-cientista bélico do III Reich de Hitler que agora é conselheiro do presidente. Cada personagem tem vida própria e parece ter sido feito por atores diferentes. E essa vida própria se prova no braço do Dr. Fantástico, que tem, pois faz o tempo todo o Hail Hitler para o führer, quer dizer, presidente.
O filme começa começa quando o psicótico general Jack Ripper (nome em referência ao Jack Estripador) ordena o "Plano R" (R de Robert) que significa atacar nuclearmente à URSS. Motivo? Os comunistas estariam poluindo a água de todo o mundo. Enquanto Cap. Mandrake tenta impedir o Gen. Ripper (Sterling Hayden), o Presidente convoca uma reunião na "sala de guerra" com seus conselheiros, entre eles Turgidson (George C. Scott), que vê essa ocasião como uma ótima oportunidade para acabar com os soviéticos.
Para não fazer um ato de guerra e entrar para a história como o segundo maior matador em massa depois de Hitler, o Presidente Muffley chama o embaixador russo para a sala de guerra, e aí Turgidson fica mais revoltado, ataca-o acusando de ser espião, eis então que o Presidente manda a máxima "É proibido brigar na sala de guerra!". Resolvida a treta, Pres. Muffley liga para o Première Soviético, bêbado, e avisa que "sem querer" eles jogaram uma bomba no seu território, fala para ele derrubar os caças americanos até eles conseguirem entrar em contato com eles, pois o "Plano R" muda a frequência de transmissão dos mesmos, e o único que sabe o código é o Gen. Ripper.
Este, que além de cortar a comunicação dos caças com o resto do exército, diz que todos são suspeitos, inclusive quem veste a farda americana, o que causa uma guerra entre os comandados por ele e os soldados que são enviados para ver o que está acontecendo dentro de uma base yankee! O mais curioso é que estão espalhados pela base vários outdoors escritos "Peace is our job" (Paz é o nosso trabalho).
O roteiro, sensacional, é dividido em 3 frentes: a sala de guerra do presidente, a base americana onde vemos Mandrake e o Gen. Ripper, e um caça comandado pelo texano Major TJ Kong, que após duvidar da veracidade de que era para se executar o "Plano R", vai com ele até o fim, pois suas comunicações foram cortadas definitivamente (eles foram atacados, portando, danificados) e eles acreditam que a URSS realmente atacou os EUA, com uma antológica cena final.
E o Dr. Fantástico, você se pergunta. Pois é, ele não aparece tanto. Mas é fundamental, pois ele sabe que os soviéticos (o embaixador também admite isso) têm a Arma do Juízo Final. Quando qualquer bomba cair em território soviético, ela é automaticamente acionada e impossível de ser desarmada, justamente para não sofrer ataques. A radiação dessa arma ficaria na Terra por 93 anos, acabando com toda a vida. Uma clara crítica a doutrina da paz armada, em que os países se armam cada vez mais para causar receio de revide em caso de ataque do inimigo.
E é justamente aí que entra a ironia e genialidade de Kubrick: no nome do filme. Ao final, ao saber da arma do juízo final, o Dr. Fantástico (Strangelove em inglês, Estranhoamor em Portugal) diz que é possível alguns milhares de humanos viverem em minas subterrâneas onde a radiação não chegaria, por 100 anos. Seria necessário uma seleção dos mais saudáveis, manter os políticos e militares para se manter uma tradição e ordem social, além de uma relação de 10 mulheres para cada homem para repovoar o planeta, o que faz Turgidson ficar empolgadíssimo com a idéia.
Então eles param de se preocupar que o mundo vai acabar e começam a adorar! Pô, 10 mulheres para cada homem!? Que se exploda tudo! E se alguém duvidava da genialidade de Kubrick, a dúvida acaba aí. Dentre suas críticas no filme, essa é a mais foda: a libido humana.
Além disso o filme é LOTADO de ironias, a começar pelo nome dos personagens: o já citado Jack Estripador, o embaixador russo Sadesky (Marquês de Sade) e o Major TJ Kong (King Kong). O outdoor da Paz na base americana em guerra e o pensamento do Gen. Ripper. O doidão diz: água pura é fundamental para a vida, pois a Terra é constituída em maioria por ela, 70% do corpo humano é constituído por ela, e é por isso que os Soviéticos estão envenenando toda a água do planeta: eles só bebem vodka! Curioso notar que ao falar com o Presidente Muffley, o Première estava bêbado.
Antes de receber a noticia do "Plano R", os militares estavam fazendo o que nos caças, que ficavam 24h no ar perto da URSS? Jogando cartas, lendo uma playboy... playboy essa que tinha na capa a secretária de Turgidson. Ela mesma, que atende o telefone de calcinha e sutiã, no quarto do mesmo. Outra referência à libido. Além disso, curioso notar que a salvação do planeta (ou a tentativa) se dá destruindo uma máquina da Coca-Cola, mais uma crítica implícita aí?
Contudo, Kubrick não toma partido, alopra tanto os americanos quanto os soviéticos. E isso em plena Guerra Fria! Isso me lembra Chaplin em O Grande Ditador (lindo, terá um post em breve), que em plena II Guerra Mundial critica tanto Hitler quanto Mussolini (naquela altura os EUA ainda não haviam entrado na guerra). Coisa de gênio.
Em Dr. Fantástico, Kubrick faz uma das mais bem feitas críticas de todos os tempos (senão a melhor), com uma ironia fantástica. Um humor que influenciou vários grandes diretores da atualidade, como Tarantino e os Cohen. Um clássico, fantástico, assim como Kubrick, que consegue fazer filmes espetaculares em todos os gêneros: se antes falei da ficção, agora da comédia.
COMENTÁRIOS EXTRA-POST
Como todo filme do Sr. Stanley tem uma lenda, aqui vai a de Dr. Fantástico: Ronald Reagan realmente achava que existia a Sala de Guerra do filme. E ficou desapontado ao tomar posse e descobrir que era coisa do filme.
Se alguém não entendeu, explicarei o nome do filme: Dr. Fantástico ou: como eu aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba. Dr. Strangelove (Estranhoamor, leia-se): que porra de tesão é esse em que se exploda o mundo só pra comer mais mulher? Por isso eles param de se preocupar com a bomba e começam a amá-la (os militares).
Uma coisa que terei que pensar melhor, ou alguém pode comentar pra mim: é o significado do Dr. Fantástico ficar em pé e dar passos ao final do filme. Verei de novo e adicionarei no texto lá em cima. Além disso, teriam aquelas frases na bomba ("Hi There" e "Dear John") algum sentido ou seriam mensagens aos soviéticos?
Um comentário:
O nome original dos mísseis no livro são "Hi There" e "Lolita", coincidentemente, ou não, outra adaptação de sucesso do Kubrick.
O "Dear John" do filme é uma referência ao jornalista John Gordon que criticou o Lolita como "o livro mais imundo que eu já tenha lido" e "pura pornografia desenfreada" quando foi lançado.
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