27/10/2010

Donnie Darko [2001]

Desapontado. Assim foi como eu me senti ao final de Donnie Darko, estréia de Richard Kelly na direção e o grande papel de Jake Gyllenhaal ao lado de O Segredo de Brokeback Mountain. O filme está longe de ser ruim, mas não é um dos melhores filmes de todos os tempos como eu havia ouvido falar.

O filme é até muito bom, mas falta algo que você olhe e fale "Nossa Senhora! Esse filme é muito foda!". E pode se creditar isso à uma insegurança na direção, talvez por algumas imposições do estúdio ou pela inexperiência, fato é que pesou, tanto que Kelly não realizou mais nenhum grande filme.

O argumento é bom, as críticas são bem construídas e a atuação de Jake é excelente. O roteiro é inteligentíssimo, assinado pelo próprio diretor, e a trilha-sonora, super-estimada. O que mais me incomodou no filme é a semelhança estética com O Advogado do Diabo, como as nuvens correndo rápido para passar o tempo e os flashes de luz, da qual não gosto muito (apesar de achar o filme do Pacino bem legalzinho).

Donnie Darko adquiriu status de cult, e apesar de considerá-lo super-estimado, é muito bom e merece o título supracitado. As reflexões que ele possuem vários níveis, o mais baixo que é discutir a trama é bem complexo, até o maior, que é a relação de Donnie com a sociedade e as críticas feitas à ela, mais no aspecto humano que institucional.

21/10/2010

Tiros em Columbine [2002]

Como podemos definir Michael Moore, diretor de Tiros em Columbine? Um Gênio, um Messias, a reencarnação do Gandhi? Não, nada disso. Ele é apenas mais um americano, a grande diferença é que ele é um puta cara sensato.

Ele tem a cara de um americano médio, o jeito de um americano médio, até o peso de um americano médio. Seus filmes? Ficam fazendo média com o público, tal qual Nascido em 4 de Julho, uma crítica ao sistema americano que cai em contradição e utiliza clichês e sequências batidas. Como tocar What A Wonderful World numa sequência de cenas de violência e citações de fatos criminosos do governo estadunidense.

Entretanto devemos jogar seus filmes no lixo? Claro que não. Pelo contrário, todos deveriam assistí-los. Tanto os dirigidos, escritos e protagonizados por ele, quanto os produzidos, como o The Corporation (excelente). Eles dão o que pensar e discutir sobre a sociedade capitalista na qual vivemos, principalmente nos EUA, claro, mas como eles são "o centro do universo" mesmo, tá valendo.

Para mais informações leia esta resenha do Scream & Yell (em português). #ficadica

fade to black

10/10/2010

Paralelo #01: Por Um Punhado de Dólares [1964] & Os Imperdoáveis [1992]

Ambos protagonizados por Clint Eastwood, são clássicos do western. Entretanto enquanto um foi o grito de um novo modo de se fazer cinema, o outro foi uma homenagem e um ponto final num dos gêneros mais populares da história.

Em decadência na década de '60, os heróis perfeitos e arrumadinhos do western americano estavam fadados à geladeira. Eis que surge o italiano Sergio Leone e revoluciona o tema "oficializando" o western-spaghetti (que antes "engatinhava") com Por Um Punhado de Dólares, filme baseado no clássico samurai Yojimbo, de Akira Kurosawa.

Em seu filme não há maniqueísmo (a existência definida de Bem e Mal), o herói se suja, apanha e é tão escroto como seus inimigos, mas ainda tem sentimentos e por isso é muito mais humano. Outra característica é o simbologismo religioso, o protagonista chega à cidade numa mula, temos uma cena de um banquete que remete a Santa Ceia e após o protagonista ser dado como morto, ele retorna.

O terceiro grande expoente do cinema que surgiu nessa fita (além de Sergio Leone e Clint Eastwood) foi Ennio Morricone, um dos maiores compositores de todos os tempos. Suas músicas compõe uma trilha sonora incidental magnífica, que dá o tom do filme e define o Homem Sem Nome, protagonista vivido por Clint.

Sergio Leone e os westerns depois dele são um dos maiores influenciadores do cinema moderno. Quentin Tarantino, por exemplo, já disse publicamente que usa vários elementos dos filmes de Leone nos seus. Assim como os grandes filmes do cinema brasileiro da Retomada, como Cidade de Deus (muito influenciado por Tarantino, portanto, consequentemente, pelos westerns) e Tropa de Elite (a cena final, do "na cara não, pra não estragar o velório" é muito parecida com a cena final de Os Imperdoáveis).

Os Imperdoáveis, de 1992 é dirigido pelo próprio Clint Eastwood que, competentíssimo, mostra que aproveitou sua experiência com Leone. O filme segue os mesmos preceitos do western-spaghetti, entretanto, seus personagens são mais profundos e o roteiro mais denso. Ele trata da velhice (temas recorrentes de Clint) e da violência, tanto de quem faz, quanto de quem recebe, de quem a glamoriza e quem a quer esquecer.

Considerado na época ser o melhor western dos útllimos 20 anos, ou seja, de 1972 a 1992, ganhou vários prêmios, entre eles os Oscar's de melhor filme, diretor e ator coadjuvante. E, caso não surja um belo exemplar nos próximos 2 anos, será o melhor filme num período de 40 anos. O que não é pouca m.
Ambos os personagens de Clint são muito parecidos, pode-se até considerar um reprise. O Homem Sem Nome é quieto, sisudo, sem amigos e oportunista, está na cidade para ganhar dinheiro e tira de quem puder. Entretanto, ajuda Marisol e sua família e fica companheiro do dono do bar e do cara que constrói caixões.

Já William Munny é velho, tem Um amigo e é maduro, sua falecida esposa ensinara-o que a violência não compensa, e ele saíra dessa vida. Apesar disso, quando surge uma encomenda para matar um cara que cortara a cara de uma puta, ele aceita, mas o faz mais para se redimir de matador de mulheres e crianças do que pelo dinheiro.

Enquanto no filme de Sergio Leone quase todos são aproveitadores, no filme de Clint eles têm seu próprio senso de justiça e seus atos têm motivos, criando um protagonista e um antagonista opostos pelos interesses e ideologia.

Ambos os filmes são os extremos da vida do western moderno, um foi o precursor, e o outro um "desfecho" em altíssimo nível. Aluno número um da escola de Sergio Leone, Clint Eastwood motra que tem todo o potencial de ser um dos maiores diretores, pois o maior do cinema ele já foi, sendo maior que Stallone, Bruce Willis e qualquer outro mercenário, e até do que Wagner Moura.

Cross fade

Este Paralelo foi inspirado pelo Filme Ideal e pela enorme preguiça de escrever dois post's sobre filmes com tanta coisa em comum.
PS: Capitão Nascimento Rulez!

fade to black

08/10/2010

Tropa de Elite [2007]

“Usualmente não é o caráter de uma pessoa que determina como ela age, mas sim a situação na qual ela se encontra.”

Stanley Milgram.

Um dos maiores sucessos e um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Tropa de Elite é muito mais do que tapa na cara e pé na porta, saco na cabeça e vassoura no rabo. Este filme faz uma análise crítica social que vai muito além da superficialidade.

Assim como 2001: Uma Odisséia no Espaço, filme e livro (Elite da Tropa) foram co-produzidos quase que ao mesmo tempo, sendo o livro um pouco depois, na fase final do roteiro. Roteiro esse que ficou nas mãos de José Padilha (diretor), Rodrigo Pimentel (ex-BOPE) e Bráulio Mantovani (Cidade de Deus), e ficou sensacional, com a cronologia quebrada e um protagonista definido pela sua narração em off.

O filme se passa em 1997, às vésperas da visita do então Papa João Paulo II, que deseja ficar hospedado próximo à favela. A missão do BOPE é garantir que o Papa não tome um tiro, e quem a encabeça é o mitológico Capitão Nascimento (baseado em Pimentel). Acontece que o Capitão é um personagem com profundidade, sua mulher está grávida e ele deseja se retirar da linha de frente do BOPE, mas precisa de um substituto. É aí que entram Neto e Mathias, dois aspirantes a PM que não se envolvem com as gambiarras dos azuis.

Tecnicamente, Tropa é impecável e com cara de documentário, já que é o primeiro projeto de “ficção” de José Padilha, oriundo do cinema documental (Ônibus 174). O filme inteiro é filmado com câmera na mão, os atores não tinham marcação fixa e todos os diálogos do filme (todos) foram improvisados (obviamente, o filme não foi feito de uma só tomada, mas quem criou os diálogos foram os atores em conjunto com a equipe).

E no aspecto de crítica social, Tropa é arrebatador. Subestimado por muitos, a fita tem sido interpretada por muitos como uma ode à tortura policial, que os traficantes são culpados por tudo, que os playboyzinhos são de merda e que se tivéssemos mais capitães Nascimento por aí o problema da violência no Brasil estaria resolvido.

Realmente, os playboyzinhos são de merda. Mas o problema da violência não é causado pelos traficantes, estes são o meio. E os pleiba’s financiam um problema causado pelos pais deles, pelas elites dominantes (o governo). E a maior prova disso é a citação no começo do texto. Os problemas sociais vividos no Brasil hoje têm origem secular, na verdade, começou em 1500.

A concentração de renda e a desigualdade social no Brasil começaram com o sistema de capitanias hereditárias e continuam até hoje pela falta de reformas e predomínio elitista no governo durante toda história do Brasil, que não se interessam por igualdade social já que seu interesse é enriquecer cada vez mais.

Exemplos desse pensamento estão explícitos no filme. O trabalho de sociologia de Mathias na faculdade é sobre Foucalt, que, resumidamente, revolucionou os estudos sobre formas de governo modernas, e diz que as fontes do poder (não só o governo, mas a polícia, as elites econômicas, etc.) formam instituições perversas, que beneficiam os ricos e punem quase que exclusivamente os pobres (tudo isso é DITO no filme).

A elite que historicamente é a “causadora” da desigualdade (pois não há elite sem ralé) financia o tráfico e depois se protege em sua bolha nos Jardins ou no Leblon, com seus carros importados e roupas de marca, vivendo em um círculo tão fechado que nem vê o resto da população miserável.

Assim, o título Tropa de Elite pode ser interpretado como a melhor de todas as tropas (que fica muito mais explícito no título do livro) ou como que os servidores públicos armados (PM, BOPE, GARRA, Exército, todos) são da Elite, e não da População.

Dessa população esquecida que saem os traficantes, os bandidos, os ladrões. Só dizer que eles são uns vagabundos que não querem trabalhar é colocar a sujeira embaixo do tapete e continuar trancado na bolha em que toda a classe média-alta vive. Pois, continuando no pensamento de Stanley Milgram, eles só agem assim por causa do meio onde vivem, no qual poucos estudam e conseguem emprego, e menos ainda conseguem sucesso no sentido capitalista do termo.

Entretanto, isto não redime os traficantes. Se eles têm um “motivo entendível”, seus atos continuam sendo crimes. Mas tão violentos e absurdos quanto os do sistema de segurança pública, se não que estes são piores, e ainda são embasados pela lei.

Sobre a corrupção policial não é necessário dizer nada além do que o filme mostra. Contudo, ainda há a frase inicial do filme que, assim como com os traficantes, mostra que a causa (e não a desculpa) disso não são eles, e que tal fato acontece por uma profissão tão perigosa (que só existe por causa de criminosos, que só existem por causa de desigualdade social) receber tão pouco.

O próprio Cap. Nascimento, que é visto por MUITOS como a solução, é uma caricatura crítica. Ele é um anti-herói glamurizado, ele tortura todos na favela para conseguir sua obsessão, e admite isso com remorso em sua narração em off no último capítulo do filme:

“O que eu estava fazendo não era certo. Eu não podia esculachar os moradores para encontrar um bandido. / Naquela altura do campeonato, amigo, pra mim tava valendo tudo. Nada nesse mundo ia me fazer parar.”

E logo em seguida outro comandante que estava com ele leva sua tropa embora por não concordar com o que ele estava fazendo. E que mesmo assim só fazia por querer restaurar a paz em seu lar e voltar para a recém-formada família, pois como bem resume, ele é o capitão NASCIMENTO.

Tropa de Elite, ao invés de ficar apontando culpados determinados como tantos fazem, confirma que o problema é social e envolve um contexto muito amplo e complexo de um problema que precisa ser urgentemente resolvido desde os primórdios da humanidade. E só consegue isso pelo realismo imprimido pelo projeto dirigido por José Padilha, que fez um dos melhores filmes nacionais de todos os tempos, que venha Tropa de Elite 2!