“Usualmente não é o caráter de uma pessoa que determina como ela age, mas sim a situação na qual ela se encontra.”
Stanley Milgram.
Um dos maiores sucessos e um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Tropa de Elite é muito mais do que tapa na cara e pé na porta, saco na cabeça e vassoura no rabo. Este filme faz uma análise crítica social que vai muito além da superficialidade.
Assim como 2001: Uma Odisséia no Espaço, filme e livro (Elite da Tropa) foram co-produzidos quase que ao mesmo tempo, sendo o livro um pouco depois, na fase final do roteiro. Roteiro esse que ficou nas mãos de José Padilha (diretor), Rodrigo Pimentel (ex-BOPE) e Bráulio Mantovani (Cidade de Deus), e ficou sensacional, com a cronologia quebrada e um protagonista definido pela sua narração em off.
O filme se passa em 1997, às vésperas da visita do então Papa João Paulo II, que deseja ficar hospedado próximo à favela. A missão do BOPE é garantir que o Papa não tome um tiro, e quem a encabeça é o mitológico Capitão Nascimento (baseado em Pimentel). Acontece que o Capitão é um personagem com profundidade, sua mulher está grávida e ele deseja se retirar da linha de frente do BOPE, mas precisa de um substituto. É aí que entram Neto e Mathias, dois aspirantes a PM que não se envolvem com as gambiarras dos azuis.
Tecnicamente, Tropa é impecável e com cara de documentário, já que é o primeiro projeto de “ficção” de José Padilha, oriundo do cinema documental (Ônibus 174). O filme inteiro é filmado com câmera na mão, os atores não tinham marcação fixa e todos os diálogos do filme (todos) foram improvisados (obviamente, o filme não foi feito de uma só tomada, mas quem criou os diálogos foram os atores em conjunto com a equipe).
E no aspecto de crítica social, Tropa é arrebatador. Subestimado por muitos, a fita tem sido interpretada por muitos como uma ode à tortura policial, que os traficantes são culpados por tudo, que os playboyzinhos são de merda e que se tivéssemos mais capitães Nascimento por aí o problema da violência no Brasil estaria resolvido.
Realmente, os playboyzinhos são de merda. Mas o problema da violência não é causado pelos traficantes, estes são o meio. E os pleiba’s financiam um problema causado pelos pais deles, pelas elites dominantes (o governo). E a maior prova disso é a citação no começo do texto. Os problemas sociais vividos no Brasil hoje têm origem secular, na verdade, começou em 1500.
A concentração de renda e a desigualdade social no Brasil começaram com o sistema de capitanias hereditárias e continuam até hoje pela falta de reformas e predomínio elitista no governo durante toda história do Brasil, que não se interessam por igualdade social já que seu interesse é enriquecer cada vez mais.
Exemplos desse pensamento estão explícitos no filme. O trabalho de sociologia de Mathias na faculdade é sobre Foucalt, que, resumidamente, revolucionou os estudos sobre formas de governo modernas, e diz que as fontes do poder (não só o governo, mas a polícia, as elites econômicas, etc.) formam instituições perversas, que beneficiam os ricos e punem quase que exclusivamente os pobres (tudo isso é DITO no filme).
A elite que historicamente é a “causadora” da desigualdade (pois não há elite sem ralé) financia o tráfico e depois se protege em sua bolha nos Jardins ou no Leblon, com seus carros importados e roupas de marca, vivendo em um círculo tão fechado que nem vê o resto da população miserável.
Assim, o título Tropa de Elite pode ser interpretado como a melhor de todas as tropas (que fica muito mais explícito no título do livro) ou como que os servidores públicos armados (PM, BOPE, GARRA, Exército, todos) são da Elite, e não da População.
Dessa população esquecida que saem os traficantes, os bandidos, os ladrões. Só dizer que eles são uns vagabundos que não querem trabalhar é colocar a sujeira embaixo do tapete e continuar trancado na bolha em que toda a classe média-alta vive. Pois, continuando no pensamento de Stanley Milgram, eles só agem assim por causa do meio onde vivem, no qual poucos estudam e conseguem emprego, e menos ainda conseguem sucesso no sentido capitalista do termo.
Entretanto, isto não redime os traficantes. Se eles têm um “motivo entendível”, seus atos continuam sendo crimes. Mas tão violentos e absurdos quanto os do sistema de segurança pública, se não que estes são piores, e ainda são embasados pela lei.
Sobre a corrupção policial não é necessário dizer nada além do que o filme mostra. Contudo, ainda há a frase inicial do filme que, assim como com os traficantes, mostra que a causa (e não a desculpa) disso não são eles, e que tal fato acontece por uma profissão tão perigosa (que só existe por causa de criminosos, que só existem por causa de desigualdade social) receber tão pouco.
O próprio Cap. Nascimento, que é visto por MUITOS como a solução, é uma caricatura crítica. Ele é um anti-herói glamurizado, ele tortura todos na favela para conseguir sua obsessão, e admite isso com remorso em sua narração em off no último capítulo do filme:
“O que eu estava fazendo não era certo. Eu não podia esculachar os moradores para encontrar um bandido. / Naquela altura do campeonato, amigo, pra mim tava valendo tudo. Nada nesse mundo ia me fazer parar.”
E logo em seguida outro comandante que estava com ele leva sua tropa embora por não concordar com o que ele estava fazendo. E que mesmo assim só fazia por querer restaurar a paz em seu lar e voltar para a recém-formada família, pois como bem resume, ele é o capitão NASCIMENTO.
Tropa de Elite, ao invés de ficar apontando culpados determinados como tantos fazem, confirma que o problema é social e envolve um contexto muito amplo e complexo de um problema que precisa ser urgentemente resolvido desde os primórdios da humanidade. E só consegue isso pelo realismo imprimido pelo projeto dirigido por José Padilha, que fez um dos melhores filmes nacionais de todos os tempos, que venha Tropa de Elite 2!