01/03/2011

A Vida de David Gale, de Alan Parker [2003]

"A única maneira de avaliarmos o valor de nossas vidas é valorizarmos a vida dos outros" David Gale

A vida de David Gale (Kevin Spacey) foi dedicada à combater a pena de morte, sendo seu maior esforço quando esta acabou: ser preso por um crime que jura ser inocente, abandonado pela esposa - que leva seu filho, abandonado por sua própria ONG e abraçado pelo álcool.

O filme se passa durante uma entrevista que Gale pede em sua última semana para Bitsey (Kate Winslet). Então, temos flash-backs que na verdade são a imaginação de Bitsey da estória do condenado. O roteiro é riquíssimo e possui várias tramas diferentes: a vida de Gale; a evolução de Bitsey ao fazer a entrevista; a investigação sobre o assassinato; a discussão da pena de morte; e o valor da vida.

Gale é um excelente professor de filosofia de Harvard que perde seu emprego após transar com uma recente ex-aluna que o acusa de estuprá-la. Mesmo após ter retirado a acusação, a vida de Gale se angustiante pois ele perde tudo que tinha, e tudo que lhe resta é o álcool e sua melhor amiga Constance (Laura Linney), a qual ele é sentenciado à morte por ter estuprado e matado. Justo um abolicionista da pena de morte.

Em um debate contra o governador do Texas sobre pena de morte, Gale o vence em todos os argumentos, utilizando-se de citações de Gandhi e Hitler, enquanto o governador, conservador e republicano, utiliza-se da religiosidade para defender sua posição. Entretanto, quando questionado sobre um único inocente que tenha sido executado, Gale fica sem palavras. "Quase-mártires não são úteis e só comprovam a eficácia do sistema". Assim, Gale se martiriza através do crime perfeito para derrubar o sistema penitenciário texano, que é brilhantemente executado por um roteiro primoroso.

Além da trama política, existe uma trama emocional complexa e muito sensível. A decadência de um homem o faz aceitar uma causa quase como um homem-bomba, incentivado também pela prevista morte de sua melhor amiga Constance. Ao invés de morrer de leucemia, ela se entrega à causa junto a David, assim suas mortes (a vida de Gale não valia mais a pena) teriam um valor. Como já dizia o poeta Sylvester Stallone em Rambo "Melhor morrer por algo do que viver por nada".

Algumas questões nesse sentido abordadas no filme são muito interessantes. Como age a mente de uma pessoa quando ela sabe quando vai morrer, ou seja, o que se passa, o que pensa, não é só conhecendo Kübler-Ross que se sabe de tudo (nem o filme te conta, tá?).

Bitsey começa a trama como uma repórter já consagrada, já presa uma vez por não denunciar suas fontes (motivo pelo qual foi escolhida por Gale, de outra maneira seu plano não funcionaria - caso entregassem a primeira fita à polícia) e de nariz empinado. Certa de Gale é culpado, ela muda seu ponto de vista ao entrevistá-lo. A trama fica cada vez mais rica com os twists: de Gale culpado, passamos a acreditar que ele fora preso por um ato de vingança, depois que ele havia sido utilizado como mártir e ainda depois de que ele havia se martirizado, limpando assim a consciência de Bitsey, por achar que falhara ao não conseguir salvá-lo.

O próprio Gale diz que ela não estava lá para salvá-lo, mas para salvar sua memória perante o filho, já que ele não era mais visto como uma pessoa, mas como um estuprador e assassino. Um dos momentos mais bonitos e sensíveis do filme é que a última refeição de Gale foi exatamente o que seu filho lhe pediu, no que parece, em seu último dia juntos como pai e filho, sem problemas judiciais ou matrimôniais.

Acima de um filme de suspense ou um filme abolicionista da pena de morte, é uma ode à vida. Vide a citação no começo do post e perceber que David Gale só fez o que fez por amor ao seu filho, por não poder mais vê-lo, pois com sua execução ele limparia seu nome de todas as acusações contra ele, afinal, uma simples acusação de estupro já basta.

Cross-fade

After-post: este filme me lembrou bastante O Silêncio dos Inocentes por conta dessa entrevista com o preso altamente carismático (deixando de lado as claras diferenças entre o Dr. Hannibal Lecter e David Gale) e como isso serve de mote para o desenvolvimento de uma personagem feminina. Outro filme que me lembrei foi o péssimo Código de Conduta, no qual o preso realiza vários atentados contra o sistema penitenciário mas morre no fim, confirmando a eficácia de tal.

fade to black

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