22/05/2010

Diários de Motocicleta [2004]

O que me chamou a atenção para assistir Diários de Motocicleta não é o fato de ele ser dirigido por Walter Salles, ser sobre Che Guevara, ser falado em espanhol ou ter concorrido em Cannes. O que me atraiu para vê-lo foi a viagem feita pela América do Sul, sem ser turística ou para compras. O que me é muito interessante.

Pouco sei sobre Che, mas esta obra adaptada de um de seus livros, "Notas de Viaje"; do livro de seu amigo e companheiro de viagem, Granado, "Con el Che por Sudamérica", me ajuda a desmistificar um personagem histórico, que virou mito e é cultuado por pessoas que não fazem vaga idéia do que ele fez, e por que.

Uma viagem intencionada à aventura e ao aprendizado, já que o destino final sempre fora uma colônia de tratamento de leprosos no Peru, Ernesto Guevara foi médico, e Granado, Bioquímico. O tom cômico inicial deu lugar a construção não de um mito, mas de uma pessoa, normal, com ideais bem definidos no que ele viu/viveu.

Quando Che passa a encontrar uma realidade que ele não conhecia na América do Sul (a qual ele só tinha informações de livros), ele começa a refletir sobre o que vê e a própria trilha sonora fica mais pesada, saindo das musiquitas "ai ai ai, arriba" para uma guitarra "meio puta".

A miséria de quem vive no continente, causado pela exploração do mais forte (colonizadores e ricos) e a hipocrisia até mesmo dos que cuidam dos leprosos, separando-se deles e usando luvas no convívio (lepra não é transmissível pelo toque) fazem com que Che pense sobre a possibilidade de uma América (do Sul) igualitária, unida e justa.

E ele demonstra traços do que virá a ser (nenhuma referência feita à um Che mitológico é feita) quando recusa usar luvas para tratar dos pacientes (fazendo com que adquira imediata simpatia dos doentes, assim como antipatia das freiras, que conduziam a colônia). Assim como quando ele atravessou o Rio Amazonas (em sua parte peruana, mais estreita e mais "leve") à nado, para a colônia de leprosos, para comemorar seu aniversário.

Outro trecho importantíssimo para o desenvolvimento dessa idéia é quando Che e Granado estão no meio de Machu Pichu. Che admira a sociedade "menos desenvolvida" que a construiu, um lugar em equilíbrio com a natureza, e a compara ironicamente a Lima (capital do Peru), uma cidade desigual e pobre, fruto espanhol (em uma cena um nativo de Cuzco, capital dos Incas, os chama de Inca-pacitados). Ainda lá, Granado divaga sobre uma revolução de forma pacífica (mais ou menos nessa hora começa o amadurecimento do filme) e Che diz "Não há revolução sem tiros".

À fotografia, à trilha sonora e as atuações de Gael García Bernal (Che) e DeLa Serna (Granado) eu digo: Bravo. O filme é tecnicamente impecável, e seu enredo não toma partido, apenas mostra a construção (ou desconstrução) de Che, que mais tarde viraria o mito que todos conhecem e nada sabem.

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